Este website utiliza apenas cookies essenciais a uma boa experiência de navegação.
Quando uma mulher engravida, algo muda não apenas nela, mas também no homem que a acompanha. A chegada de um filho inaugura um tempo de transição para ambos, um tempo simbólico onde antigas identidades se dissolvem para dar lugar ao que ainda não se conhece. Porém, enquanto o corpo da mulher manifesta visivelmente a gestação, o homem vive muitas vezes uma experiência silenciosa, invisível e ambígua: o desejo de participar e o sentimento de estar de fora.
Na maioria dos discursos sociais, a gravidez é um fenómeno feminino. O olhar médico, social e até familiar, centra-se no corpo e nas emoções da mulher. O homem, por seu lado, é frequentemente remetido para o papel de apoio, companheiro, provedor, funções externas à experiência íntima da gestação.
No entanto, também o homem é “tocado” pela gravidez. Winnicott sugeria que o pai passa por um processo de adaptação paralelo ao da mãe, embora de forma mais simbólica. Ele é chamado a sustentar emocionalmente a mulher, a proteger a díade mãe-bebé, mas nesse movimento, sente-se muitas vezes excluído da relação primária que se forma entre eles.
Este sentimento de exclusão é legítimo. O homem pode sentir-se “substituído” pelo bebé, testemunhando a companheira investir a sua energia afetiva num novo objeto de amor. Françoise Dolto (pediatra e psicanalista) abordava este fenómeno como uma fase necessária: o pai torna-se, por um tempo, o “terceiro ausente”, aquele que garante o espaço da relação, mesmo não sendo o centro dela. Mas se essa ausência simbólica se transforma em afastamento real, pode emergir frustração, ciúme ou isolamento.
A gravidez é também, para o homem, um luto. A relação exclusiva a dois dá lugar a uma nova configuração familiar. Muitos pais relatam nostalgia, medo da perda de intimidade ou dúvidas sobre o seu papel no futuro.
A identidade paterna não é biológica, é psíquica. O homem torna-se pai não no momento da conceção, mas na medida em que elabora internamente essa transformação. Ele precisa de um espaço simbólico onde possa pensar, falar e sentir a paternidade - não apenas “fazer o papel” de pai.
A ausência de espaços de escuta para os homens durante a gravidez contribui para o seu sofrimento silencioso. Enquanto a mulher é acompanhada por médicos e por vezes por psicólogos, o homem raramente tem lugar para expressar a sua ansiedade, os seus medos ou até a sua ambivalência em relação ao futuro.
É muito importante revalorizar o papel emocional do pai. O homem participa da “pré-história do vínculo” ou seja, começa a construir a relação com o bebé antes mesmo do nascimento, através da sua relação com a mulher grávida. A forma como ele se envolve emocionalmente nesse período influencia o modo como se sentirá incluído depois do parto.
Participar nas consultas, falar com o bebé, partilhar medos e expectativas - tudo isto são formas de o homem se inscrever na experiência da gravidez. Ser pai é aceitar estar dentro e fora ao mesmo tempo: presente, mas não protagonista, suporte, mas também sujeito de emoções legítimas.
Concluindo, a gravidez é uma metamorfose para ambos. Reconhecer o lugar emocional do homem é essencial para que a parentalidade se construa de forma equilibrada. O sentir-se colocado de lado, o medo da perda, a alegria, a insegurança, todas estas emoções são parte de um mesmo processo de transição.
O pai nasce, também ele, pouco a pouco - no silêncio das suas inquietações e na escuta do que se transforma dentro de si.
Dra. Patrícia Oliveira
Psicóloga e Psicoterapeuta